domingo, 26 de setembro de 2010

SEM CENSURA


Gil Vicente é o artista plástico responsável pela série de obras denominada “Inimigos”. Nela, personalidades políticas e religiosas ficam sob a mira de uma arma empunhada pelo próprio artista, num autorretrato.

Photobucket

Talvez muita gente não teria ouvido falar desses desenhos de carvão sobre papel, não fosse o “mimimi” que a nossa querida OAB bradou ao pedir para que os trabalhos fossem retirados da Bienal de Arte de São Paulo.

Photobucket

É paradoxal ver a Ordem dos Advogados do Brasil, que, teoricamente teria o dever de proteger artistas em caso de censura, pretender aplicar esta. Vivemos num período onde muita gente confunde ditadura com dentadura.

Photobucket

Concordando ou não com os trabalho de Gil Vicente, eles continuam sendo arte, porque são libertadores para certos pensamentos, suscitam outros e conseguem ser controversos ao ponto de deixar muito puritano de cabelo em pé, mas nunca farão um ser humano normal matar outro, então, o argumento de apologia à violência não se justifica.

Photobucket

Para conhecer mais do trabalho de Gil Vicente e visualizar suas obras em tamanho maior, acesse: http://www.gilvicente.com.br/

terça-feira, 21 de setembro de 2010

ENVELHECER NA INTERNET


Quando pensamos sobre envelhecer, quando desenterramos da memória alguns acontecimentos passados, quase sempre reina a sensação de nostalgia. É um apego ao pretérito capaz de fazer parecer que, o que vivemos antes é, de alguma forma, superior ao que vivemos agora. Na verdade, não é bem assim. Essa imagem idealizada do passado, possivelmente só existe porque ele, agora é inalcançável e distante de nós.

Eu mesmo, confesso, sou bem saudosista, e sempre ando vasculhando um filme, uma música ou uma revista antiga – até de épocas em que eu não vivi – só para sentir essa sensação de uma quase dimensão paralela.

Quando relembramos o passado, se fazem presentes alguns lugares-comuns, pensamentos peculiares de determinada geração, regados com relevante grau de afeto. É a fita VHS, o cartucho de videogame, o velho LP, o clipe do Michael Jackson estreando no Fantástico, Professor Tibúrcio traumatizando todo mundo. Mas, em meio a todas essas referências, dificilmente surge algo relacionado a computadores, à internet e às primeiras ferramentas da informática disponíveis para nós. Isso se deve pela entrada relativamente recente dessa vida virtual em nossa vida real, porém, as constantes mudanças e a rapidez com que esse mundo de bites, megabytes e terabytes se transforma, já dá lugar a certa nostalgia.

Eu, somente acessei a grande rede mundial de computadores em 2000. O até então mórbido PC, sem vida alguma, ganhava, feito mágica, uma conexão com o mundo, mesmo que fosse através da internet com pulso, aquela que a cada minuto cobrava mais dinheiro – exceto nas madrugadas e fins de semana.

E a internet do novo milênio não era bem tão nova assim. Digamos que seria muito mais um resquício do que acontecia na web nos anos 90. Gifs para fazer a alegria e deprimir ao mesmo tempo explodindo nos quatro cantos da tela, páginas terrivelmente mal formatadas e trechos curtíssimos de sons e vídeos como os recursos multimídia mais fresquinhos da época.

Photobucket Photobucket

Interação maior eram os bate-papos e, por incrível que pareça, eu, como principiante, não sabia onde achá-los. Clientes de chat estavam longe do meu alcance. Lembro que, na época, ouvia sempre falar do ICQ, e era mesmo sinônimo de internet, mas, entre 2000 e 2001 o programa já perdia suas forças. O engraçado é que eu adicionava o ICQ number das pessoas, porém, nunca achava ninguém online. Mal sabia eu que, todos já haviam zarpado desse barco.

Photobucket

Para sorte minha, naquelas revistas guias de internet, havia o endereço de um chat. Acho que a preferência por escolhê-lo foi o fato de ele ser voltado para a comunidade japonesa no Brasil. É, acho que naquela época ainda restava em mim a vontade de ter um filho com traços nipônicos. Mandar uma mensagem para uma japinha e ser respondido, mesmo com atraso, já foi felicidade demais. Foi interação demais. Tudo deve ter começado com um clássico “quer tc?”. Mas aí a vagabunda da Liberdade me deixou esperando por terríveis dez minutos, com a conta telefônica já chegando às alturas e eu arrancando os cabelos. Tá, tudo bem. Desisti do meu amor nipônico, até mesmo porque, pelo papo, ela devia ser casada, mãe de dois filhos e vender pastéis e yakisoba para se sustentar. E esse é um problema meu, de ser cosmopolita no amor, porque já teve a polonesa, a finlandesa e a japonesa, isso tudo com o inglês macarrônico e a ajuda do tradutor do Google, capaz de tornar qualquer frase sua muito mais romântica. Como dizem, o amor só é perfeito quando platônico.

E, durante essa época de internet com banda estreitíssima, todo mundo era meio zumbi na sala de aula, porque, depois das 00:00hs, a noite era uma criança, e, dependendo da resistência de cada um, se estendia praticamente até o horário de ir à aula pela manhã. Depois era aquela coisa dos rostos todos literalmente afundados nos livros.

A internet foi sendo um espaço de descoberta, tanto para o bem, como para o mal. Horas e horas jogando MMORPGs; pastas abrigando a coleção de imagens pornográficas; o choque com a miséria e a crueza humana de forma mais intensa que a oferecida pelos shockumentaries em VHS esquecidos nas locadoras. Aquela terra quase sem limites onde o freio mais efetivo é o bom senso do usuário.

O primeiro cliente de chat com o qual eu tive contato foi o IRC ou mIRC, como era mais popularmente chamado. Diferentemente da maioria dos mensageiros e programas usados para bate-papo de hoje em dia, o IRC voltava-se para a coletividade, porque o grande atrativo e a principal forma de se conhecer alguém e iniciar uma conversa particular, era acessar os canais, geralmente temáticos, lotados de usuários. Por exemplo, havia canais com nomes de cidade, outros usados como forma de compartilhar arquivos e até os de temas adultos. Qualquer usuário poderia criar e registrar seu próprio canal.

Photobucket

Aí o Orkut explodiu em 2004, e era aquela coisa restrita. Só podia ingressar na rede quem fosse convidado por algum usuário já registrado. Obviamente, eu não sabia como o Orkut funcionava, mas tinha uma vaga ideia. Consegui um convite e, no ano do seu lançamento, eu já estava registrado. O frustrante era não ter mais nenhum outro amigo também registrado para adicionar. Aos poucos, a rede social tornou-se cada vez mais popular e, o que fora criado com o intuito de abrigar usuários de todas as partes do mundo, hoje, praticamente em sua quase totalidade, só tem brasileiros como usuários ativos.

Photobucket

E, em dois momentos, me veio a reflexão necessária para escrever este texto. Primeiro, quando eu imaginei o volume monstruoso de perfis e perfis criados no Orkut e, consequentemente, o número de pessoas que simplesmente deixam de usar o serviço ou morrem, por exemplo. A família geralmente não tem a senha, e as fotos e outras muitas particularidades do indivíduo ficam lá, registradas, enquanto os servidores estiverem ativos, quase como em uma lápide virtual. Não é à toa que, existe na rede uma mórbida comunidade batizada de PGM (profiles de gente morta).

Segundo, procurei registrar alguns endereços de blogs simples mas interessantes, o problema é que quase todos possuem registro e, o pior, há muito tempo não são mais usados, com pouquíssimo conteúdo publicado. Exemplos não faltam: www.amor.blogspot.com , duas postagens no total e não recebe atualizações desde 2007; www.paranoia.blogspot.com, uma postagem e não é atualizado desde 2001; www.palavras.blogspot.com, uma única postagem datada de 2002; www.sonho.blogspot.com; www.caminhar.blogspot.com; www.infefavel.blogspot.com, e outros e outros e outros. Aí me corrói o pensamento sobre o que essas pessoas andam fazendo, como elas são e se algumas já estão a sete palmos da terra ou não. Talvez pelo fato de eu ficar intrigado com alguém que, numa época onde os blogs eram sensação, cria um para dizer nada e ir embora. São poucas palavras que falam demais, porque elas esperneiam clamando um complemento, uma continuidade, e eu só posso imaginar.

Photobucket

O Orkut diz: registrado desde 2004, você guarda alguns e-mails como cartas mofadas, percebe que aquele site defeituoso que um dia você tentou construir no FrontPage ainda tem alguns arquivos hospedados e a internet de outrora lhe traz memórias quase afetivas de coisas já totalmente ultrapassadas. É então que você se dá conta de que anda envelhecendo com a internet. Essa rotina que vivemos, voltados para uma tela luminescente, registrando-nos em novos serviços, esquecendo a senha de acesso e aprisionando uma breve descrição de nós mesmos para todo o sempre, é de uma estranheza que só pode ser percebida quando nos colocamos no papel de observador de nossos atos e não apenas de mais um internauta perdido na rede e limitado aos velhos espaços de sempre.


domingo, 5 de setembro de 2010

ESTAMIRA RECICLANDO IDEIAS


Há muito, muito tempo, eu precisava escrever um texto sobre o documentário “Estamira”. Precisava, porque o filme realmente mexeu comigo. Considero a produção um novo clássico. A gente às vezes fica sem tempo, tem preguiça ou simplesmente deixa para depois, mas, nada disso importa, porque um dos grandes méritos de “Estamira” como clássico é abraçar a atemporalidade. Quem assistiu, pode rever e aprender mais, quem não assistiu, deve.

A princípio, Marcos Prado filmaria apenas sobre o lixão de Gramacho, no Rio de Janeiro, mas ele então conheceu dona Estamira, doente mental crônica, de 60 anos de idade (na época das filmagens), que por lá vivia e que de lá tirava sua subsistência, se é que pode se chamar assim.

Photobucket

Lembro-me que, quando assisti pela primeira vez, eu não sabia ao certo sobre do que tratava o filme. Depois de imagens contrastantes entre o céu límpido e o chão tomado por todo tipo de lixo, Estamira começa a falar para a câmera. Achei que fosse uma coadjuvante, alguma moradora da localidade que compartilha seu breve depoimento de vida e vai embora. Ledo engano! Estamira, que dá nome ao filme, como não podia ser de outra maneira, é a estrela que irradia a obra do início ao fim, diferenciando profundamente esse documentário de tantos do gênero que, sob a égide da denúncia, focam sempre suas lentes para a crua realidade brasileira, sem passar de mais do mesmo, numa tentativa débil de consternar e assim obter algum sucesso.

Photobucket

O documentário chama a atenção porque faz o que a maioria das pessoas nunca faria. Primeiro, invade o lixão, que é, definitivamente um mundo à parte. Depois, dá voz a alguém que, provavelmente, nunca foi escutado em sua vida. E, neste ponto, o que mais tocou-me não foi a abordagem sobre a pobreza, a miséria, as disparidades sociais e mais aquilo que todos andam cansados de ouvir falar. O gancho que se fixa em seu peito e o aproxima cada vez mais daquele cenário é o fato de percebermos a quantidade de razão nas palavras de Estamira. A impressão que se tem é de que, em algum lugar, no subsolo ou escondido em alguma barraca, há um professor particular de filosofia que dá aulas àquela senhora.

Entre falas revoltosas contra Deus e o mundo, Dona Estamira diz o que muitos já pensaram falar mas não tiveram coragem o suficiente. O selo eternamente lacrado de outras bocas se rompe na sua. São os “trocadilos”, o controle remoto e os inversos que se manifestam.

Tanto lixo sob os pés pode transformar qualquer ser humano definido como mentalmente estável e normal em alguém esquizofrênico. Porém, há também uma relação interessante que aquele espaço proporciona. Parte do que Estamira come vem do lixo, suas roupas, sua pele, seu cabelos, também são depósitos de lixo. Vai-se acumulando de um jeito irremovível. E é ali, sobre todo tipo de sujeira, que sua loucura, insustentável na moradia corpórea, pode ser extravasada de forma plena, talvez por isso, Estamira continue, na sua maior parte do tempo lá, mesmo depois de ter ganhado uma casa do diretor do filme, Marcos Prado.

Photobucket

É como um quadro que consegue ser belo e feio ao mesmo tempo. Características indissociáveis de um mundo com suas próprias leis. Por fim, o espectador ri, comove-se, revolta-se e dirige o olhar para si mesmo depois de escutar um discurso bruto e necessário, sem que a loucura pessoal de cada um seja capaz de lapidá-lo e varrê-lo para debaixo do tapete. Os mais sensíveis conseguem enxergar uma pérola.

Nota máxima! Cinco Andys para essa obra-prima:

PhotobucketPhotobucketPhotobucketPhotobucketPhotobucket