domingo, 1 de fevereiro de 2009

O céu de Iguatu




Moro em Iguatu, cidade no interior do Ceará. Não gosto, nunca vou gostar. Não sei quando saio daqui. Moro num nada, e me iludo com o tudo, com o tudo que eu idealizo pra mim. Talvez eu me foda ao sair daqui, talvez tudo o que eu penso que seja o melhor pra mim, seja o oposto. Mas a verdade é que, nesta localização geográfica, dificilmente eu serei feliz e realizado. É o que a gente busca a vida inteira, e muitas vezes não encontra.

É certo que, o local no qual vivemos e as possibilidades que ele nos oferece influenciam diretamente no nosso estado de humor, no rumo que damos à vida. Mas, às vezes eu penso morar em outro lugar, porque eu não vejo as igrejas, nem as praças, nem a cara das pessoas, nem as mercearias. Passo a maior parte no microcosmo que criei pra mim, menos vazio do que o que me rodeia.

A cada ano conheço menos pessoas daquelas que têm uma maior importância na minha vida, as que não se resumem a "olás" ou "seu troco". A cada ano conheço mais filmes, mais músicas e mais livros. A maioria destas coisas é mais importante para mim do que muitas das pessoas que conheço. Não sei se isso é um fato lamentável.

Alguém audacioso veio aqui rodar um filme. Mas quem? Quem seria capaz de escolher como paisagem para uma história cinematográfica uma terra árida, muito mais de idéias e de diversidade? Seu nome: Karim Aïnouz. Responsável pela direção e também pelo roteiro de O Céu de Suely, ele mostrou profissionalismo e sensibilidade ao trabalhar esse longa-metragem totalmente rodado com locações em Iguatu. Lembro-me da época que ia ao colégio e quase tropeçava nos muitos cabos que cortavam as ruas. No começo, eu não tinha noção do que se realizaria, só sabia se tratar de um longa com o nome de Rifa-me. Confesso que, devido ao meu ceticismo, desacreditei que dali sairia grande coisa. Errei no título do filme, errei em descreditá-lo. Assisti o trailer e minhas expectativas aumentaram.


Hermila Guedes é Hermila, a protagonista, uma garota pobre que sai de São Paulo e volta à sua cidade natal, Iguatu. Traz consigo seu filho pequeno e espera a vinda do pai da criança, o que acaba não acontecendo. Querendo voltar a qualquer custo para a grande metrópole, Hermila tem a idéia de rifar seu corpo para conseguir dinheiro (daí o boato que o filme se chamaria Rifa-me). Hermila, sem exageros, é simplesmente brilhante no papel. Tenho certeza de que sem ela o filme não atingiria o nível que atingiu.

Apesar da curta participação, muito me agrada também João Miguel, que interpreta João, um mototaxista apaixonado pela moça. O restante do elenco também é competente e cumpre sua função de criar uma atmosfera verossímil, o que, pelo menos em relação ao sotaque nordestino, não é problema, já que a maioria é da terrinha.

Por displicência mesmo, só ano passado assisti o filme, quando este foi lançado em 2006. Coloquei o DVD e conferi aquela película mostrando a cidade de um jeito que eu nunca pude ver, mesmo com toda imaginação. Foi mágico para mim reconhecer alguns dos lugares eternizados sem comedimento, com uma lente sincera refletindo a decadência de tudo, sem maquiagem alguma sobre o que se vê. O Céu de Suely não escapou da tradição do cinema brasileiro de explorar o nordeste e a pobreza como cenário, porém, fez isso de um modo adequado e não gratuito. Tanto que, em parte, esquecemos da miséria dos personagens e só focamos seus sentimentos, sonhos e inquietações, comuns em qualquer ser humano. Outro ponto forte é o realismo que nos é passado. Hermila em algumas cenas interage com pessoas completamente anônimas, sem a mínima preparação para a atuação, muitas que talvez nem saibam o que ali se passava. O filme é assim, o retrato fiel dos personagens, sem açúcar, sem pudor, de uma poesia intensa, condizente a seus planejamentos como uma obra artística deve ser.





Ainda em relação ao filme e a cidade, uma carta maravilhosa escrita por Felipe Bragança numa das padarias da cidade, publicada na revista de cinema Contracampo:

Carta de Iguatu


3 comentários:

janine disse...

vivo num lugar totalmente diferente de iguatu, mas ainda assim me sinto como você.

acho que tenho um pouco de medo de tirar mais do que a cabeça de dentro do casco oi

Igres Leandro disse...

"acho que tenho um pouco de medo de tirar mais do que a cabeça de dentro do casco".

Ah, que bonitinho! Mas lembre-se, você pode ser mole como um pudim, mas não devagar como uma tartaruga!

=]

iralemos disse...

"- Qual a passagem que a senhora tem pra mais longe?
- Mas longe como assim?
- Um lugar mais longe daqui..."

To já pra chegar la na rodoviária e fazer a mesma pergunta. =]