terça-feira, 13 de janeiro de 2009

No Balanço das Horas

Tirei este conto do fundo da gaveta. Fazendo uma comparação com o que escrevo hoje, apesar de se encontrar vários pontos semelhantes, ele deixa transparecer um ar ingênuo, mas não propositalmente. Acho que eu devo tê-lo escrito entre 2005 e 2006. Como recordar é viver, como viver é passar o tempo, como o conto fala sobre tempo e meu tempo criativo não anda lá essas coisas, um texto de outro ano, de outra época, de outra percepção, apenas complementar:

No Balanço das horas

Os dias ensolarados sempre são considerados dias felizes. Hoje, mesmo com os raios luminosos do sol, meu dia foi cinza. Não me entristeci, nem me revoltei com nada, apenas observei o dia passar de forma contemplativa.

As pessoas pensam, reclamam consigo mesmas por nunca pararem para observar o dia, agradecer à natureza, prestar atenção na moça de olhos bonitos, ou até mesmo brincar com o filho em um parquinho qualquer. Eu não quis fazer nada disso, mas observei tudo de uma maneira estranha: vi números nas pessoas. Depois de passar por uma loja de relógios, senti-me adormecido com tantos tic-tacs, com tantos pêndulos, com tantos cucos. Estava hipnotizado. Sentei-me ainda tonto num banco antigo perto da loja. Chacoalhei a cabeça e surpreendi-me com tamanha diversidade encontrada à minha frente.

Meus olhos seguiam os passos dos transeuntes como se segue uma bolinha de tênis de um lado para o outro em uma partida emocionante. Sapatos tão diferentes, pêlos das pernas de diversos tamanhos, calças ridículas, mulheres gestantes, velhinhos com bengalas estilizadas, e muitos números com a cor dos ofuscantes raios de sol. Percebi que, assim como as pessoas, todos os números eram diferentes, nem que fossem por milésimos. Ainda assim eram diferentes. Números que se esbarravam, pessoas disputando o mesmo espaço. Depois do choque, temos tempos que se cruzam atrasando-se simultaneamente como num jogo, em um desafio onde todos estão em busca de algo.

Pensei nos milhares marcadores de tempo, desde os milenares, funcionando através dos raios de sol - coincidentemente como esses que agora observava -, até os digitais, precisos, atômicos, que nunca chegam a atrasar um segundo em séculos. Senti que os relógios mais importantes eram os que eu via. Tantos números e todos com tantas histórias para contar. Olho para o engravatado, parece ser bem sucedido, seu relógio tem as horas curtas, ele precisa enriquecer mais e deixar um patrimônio para os filhos. Olho para o senhor com roupa modesta, com cara sofrida e calos nas mãos, seu relógio tem as horas curtas, ele precisa trabalhar para sustentar seus filhos e terminar de pagar todas as prestações do seu plano funerário. Olho para a prostituta, seu relógio tem as horas curtas, ela precisa transar mais e mais até que acabe a noite e, para ela, literalmente tempo é dinheiro. Olho para o rapaz perturbado, com as mãos ainda sujas de sangue fresco, talvez um assassino, seu relógio tem as horas curtas, tantas vítimas para estripar, e, precocemente preso, com tantas horas atrás das grades.

Observei tudo e todos, vi seus problemas, seus anseios e soluções através de números, números esses que, assim como o sol ousam em se apagar uma hora. Tanta pressa, tanta correria, tanta ousadia. Tudo isso pela mesma causa: o tempo que não pode ser parado, que não pode se esperado, que vive com as pessoas, que não define se elas são más ou boas. Tudo vai escurecendo, a lua toma o lugar do sol e, quem passa, abandona por um momento o seu marketing pessoal. O advogado talvez já esteja em casa, depois de transar com uma prostituta, encontra-se muito cansado para a esposa e sem tempo para os filhos. A prostituta se encontra com o órgão sexual adormecido. É hora de contar o dinheiro para ajudar no sustento do seu pai, um senhor modesto que, a essa hora, já deve estar jogado no chão depois de receber um golpe de machado na cabeça executado por um assassino que agora está atrás das grades, esperando um defensor público, que já não tem mais tempo para a esposa e os filhos. Tudo agora tão parado... Enxergo o que talvez seja minha última visão agradável desse meu dia: um relojoeiro sem tempo para com o relógio fazer tantos tempos.

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